COP30 e a nova onda cabana

POR JEAN FERREIRA

9 DE DEZEMBRO DE 2024

Continuando as reflexões a partir do último texto “A cultura, um exercício” não poderíamos esquecer do exercício cultural de lutas que o povo amazônida tem travado contra as concentrações de poder excessivas por aqui. Não foi diferente em muitos distintos momentos pós-cabanagem, sempre partindo das bases, das margens, das baixadas, e alcançando até mesmo as pessoas da classe média sem acesso aos privilégios.

Podemos pensar que nem todos os paraenses da época lutaram na cabanagem, mas posso dizer que todas as pessoas proletárias eram [1]{juntas cabanos em potencial}. Toda a riqueza das obras ao estilo europeu na Amazônia, que vez ou outra é motivo de orgulho na TV e revistas, não foram capazes de sanar [2]{a pobreza na vida de artesãos e artífices de obras arquitetônicas, pinturas, esculturas, mobiliários, cerâmicas, cestarias, tecelagens, vestimentas, calçados, adornos pessoais e etc}.

Se formos contabilizar todos os tipos de contextos dos cabanos podemos olhar a cabanagem também como uma luta por justiça racial e territorial, uma vez que havia uma [3]{característica intermediária dos pequenos proprietários rurais e urbanos atrelados a um horizonte de dificuldades e privações, além de uma [4]{massa de indígenas, negros, tapuios, e mestiços que viam no branco português um terrível inimigo multissecular}.

Nos tempos de agora, antes e pós-COP30, percebemos uma nova dominação, o Pará “aderido” ao Brasil e, no contexto internacional, ao mundo. Porém a maior riqueza do momento é a nossa própria cultura, pois até mesmo aquilo que é visto como natural ou orgânico na Amazônia é fruto de uma prática cultural. O mundo em colapso percebendo que as cidades aos moldes capitalistas não deram certo, pois[5]{nao sabem fazer nem suas próprias casas e nem suas próprias comidas} e agora se voltam a uma nova forma de explorar, desde o mais subjetivo, através de novos museus e espaços de arte, até chegar nos grandes investimentos na botânica, gastronomia e sociobioeconomia amazônicas. Essa mineração cultural novamente não tem nós, não somos os donos dessas mineradoras, e por vezes nem brasileiros são.

Para quem acompanhou o primeiro texto sobre uma nova ‘colonização da Amazônia’ vai entender que não me refiro a uma reivindicação de protagonismo, mas sim de um compromisso com quem tem preocupação de fato com este território e não só com o dinheiro, que são as pessoas que moram aqui e promovem toda essa cultura, sem excluir ninguém, pois até as pessoas que compõem as fotos artísticas de fotógrafos famosos são coautores do imaginário amazônico, mesmo que sejam tratadas como indigentes, uma vez que nem perguntam seus nomes. Assim foram e serão os cabanos, poucos nomes são lembrados.

Que possamos encontrar forças para inverter as lógicas de poder, encorajar os distintos movimentos cabanos que tem surgido no Pará, Norte e Amazônia, e para não contribuir com todas as “soluções para a Amazônia” que vêm de fora, pois [6]{há mundos que merecem ser destruídos} e se estão vindo todos pra cá não é só pra nos ajudarem, é porque o mundo deles não tá dando tão certo assim.

Referências de texto:

[1,2,3,4] Cabanos & Camaradas, de Alfredo Oliveira, 2009.

[5] a terra dá, a terra quer, de Antônio Bispo dos Santos, 2023.

[6] Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak, 2019.

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